O Brasil vem sendo destino, nos últimos anos, de uma nova onda de imigrantes que, em 2013, passaram a assumir a primeira posição na lista de estrangeiros que pediram refugio no país. Trata-se de cidadãos de Bangladesh, um país asiático a milhares de quilômetros do Brasil.
Segundo dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), no ano passado, até novembro, 1.830 bengalis entraram no Brasil e solicitaram status de refugiados – mais que o dobro do total de cidadãos do segundo país que mais fizeram a mesma solicitação no mesmo período, Senegal (799).
O fato reflete um crescimento crescente no número de imigrantes de Bangladesh nos últimos anos. Em 2011, o Conare contabilizou 74 pedidos de refúgio feitos por pessoas do país asiático. No ano seguinte, elas haviam subido para 280.Apesar de não terem o pedido de refúgio atendido – por não se encaixarem nos critérios do governo para isso -, os bengalis acabaram permanecendo no país, recebendo direito a residência permanente. Sem isso, e sem o status de refugiados, eles poderiam ter sido deportados do país.
Projeção atraente
A chegada de imigrantes ou refugiados vindos de Bangladesh ou de nacionalidades que tradicionalmente não migravam em massa ao país é um fenômeno recente.
Essa diversificação, segundo autoridades, é fruto da crescente projeção brasileira no exterior, aliada às crescentes restrições à entrada de imigrantes na Europa e nos Estados Unidos.
Segundo Ricardo Felix, advogado da Cáritas, ONG de direitos humanos que ajuda refugiados em várias cidades brasileiras, muitos bengalis com quem ele conversou nos últimos meses contam ver o Brasil como um país em paz, cheio de oportunidade e com histórico acolhedor.
"Fora que é um país em evidência, pelo crescimento econômico e pelos grandes eventos. E, junto com isso, também vêm as consequências", diz Ricardo Felix.
De acordo do Felix, muitos que ele entrevistou nos últimos meses contam que chegam no Brasil, diretamente em cidades como Rio ou São Paulo, de avião, portando visto de turistas, para em seguida pedirem refúgio. Outros tantos, porém, chegam por rotas muito mais complicadas.
A Polícia Federal diz que parte dos bengalis entra no Brasil pelas fronteiras com a Bolívia - caso de Hussain - ou com o Paraguai. Muitos vêm ao país para trabalhar em fábricas - especialmente no Paraná.
As primeiras vindas de bengalis, assim como de paquistaneses, ganeses e senegaleses, ocorreu, segundo o Ministério da Justiça, "em razão da crescente necessidade de mão de obra para o abate halal (preparação de carne seguindo os preceitos islâmicos), em consequência do crescimento do mercado no Oriente Médio e da obrigação de que o abate das aves fosse feito exclusivamente pelos praticantes da religião muçulmana".
O abate com o método halal fornece um selo requerido pelos países de maioria islâmica que importam a carne brasileira.
Miséria e política
Mas por que tantos bengalis estão deixando seu país e encarando uma jornada que incluiu atravessar dois continentes e dois oceanos para pedir refúgio aqui?
Em um das pontas desse trajeto está um país miserável, onde 31% da população vive abaixo da linha de pobreza e 40% tem subempregos, trabalhando apenas algumas horas por semana, segundo dados do Banco Mundial.
Os problemas econômicos são agravados pela tensão política latente no país. A rivalidade entre os dois principais partidos - o governista Liga Awami e o opositor Partido Nacional de Bangladesh (PNB) - se reflete no cotidiano do país e gera uma multidão de perseguidos políticos, entre governistas ou opositores, dependendo da região do país.
Um exemplo desse conflito é o fato de mais de cem pessoas terem sido mortas desde o fim do ano passado, em uma escalada de violência que precedeu as eleições do início de janeiro, consideradas uma das mais violentas da história do país.
"Os relatos que recebemos de Bangladesh é que, no conflito entre os dois partidos, é comum que ambos os lados façam a coação de pessoas, às vezes pessoas simples, para levar a cabo a perseguição", disse Ricardo Felix.
Refugiados?
A legislação brasileira prevê a aprovação do pedido de refúgio quando há temores fundamentados de que o estrangeiro no caso sofre perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas.
Em uma revisão dos casos de 4 mil estrangeiros que haviam pedido o status, realizada em dezembro de 2014, o governo concluiu que os 1.830 bengalis não se encaixavam nessa categoria, já que se concluiu que estavam no Brasil por razões econômicas, em busca de melhores condições de vida e trabalho.
No mesmo mês, esses casos foram enviados para a análise do Conselho Nacional de Migração (CNIg), e o governo lhes concedeu residência permanente.
"A grande questão era como solucionar, de forma que esses milhares de trabalhadores estrangeiros não ficassem em situação migratória irregular em caso de decisão desfavorável", afirmou Paulo Sérgio Almeida, presidente do CNIg, na cerimônia que anunciou a concessão da residência aos estrangeiros, justificando a decisão: "A grande maioria possui emprego e vêm conseguindo se integrar de forma satisfatória ao nosso país."
Segundo o governo brasileiro, não há uma conduta específica para os solicitantes de refúgio vindos de Bangladesh, já que a política segue sendo avaliar caso a caso. "As análises dos procedimentos no âmbito do Conare se dão de maneira individualizada. As regras e acordos internacionais, bem como as reconhecidas boas práticas brasileiras nesse sentido, devem continuar sendo cumpridas", afirmou a assessoria do Ministério da Justiça.
"O esforço do governo brasileiro é criar uma capacidade de atendimento em prazo razoável à demanda a nós apresentada e que vem crescendo a cada ano, por meio de acordos de cooperação já firmados com a Defensoria Pública da União e com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR)."
Fonte: BBC Brasil
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